Desculpa, mas Abbi Glines é machista

            Paixão sem limites foi um dos primeiros new adults que li. O gênero era novo, e, naquela época, tudo se resumia em amor. Ninguém tinha certeza se aquela seria só mais uma febre literária como os sick lits ou se aqueles romances clichês e mais maduros que young adults tinham chegado para ficar. Então é essa minha defesa: era tudo novo e amor. Quando conheci o trabalho de Abbi Glines, me deparei com uma história de amor dramática como uma novela mexicana (e você sabe o quanto eu gosto de novelas mexicanas), e fui conquistada de cara. Eu não exigia nada da autora além de um OTP com química e muitos problemas. Foi exatamente isso que ela deu. Porém hoje, cinco livros após ter conhecido a autora, algumas coisas se tornam mais visíveis e dignas de nota. Algumas coisas que antes eu relevava, chegaram a um ponto que eu preciso discutir.

            Precisamos conversar, meu caro leitor, sobre Abbi Glines ser machista. E não cansar disso.

            Eu não pretendo colocar todos os livros do gênero no mesmo saco. Inclusive porque new adult, apesar dos apesares, ainda é meu gênero literário favorito. Existe muita coisa boa entre esses livros, mas também, e cito Glines novamente, existem muitas mensagens retrógradas que a gente tenta tão exaustivamente apagar em pleno século XXI. Mensagens que se tornam repetitivas ao longo de um livro e outro. O problema da autora não foi nem ter tido essa abordagem em determinados momentos de suas histórias. Foi ter repetido. Foi receber essas críticas sobre o machismo e não tentar contornar. Em insistir em objetificar a mulher e, cara, isso é muito errado. Que ano é hoje, afinal?

            São várias coisas visíveis durante a narrativa da autora que evidenciam um machismo indiscutível. Em certos contextos, o protecionismo do namorado pode parecer encantador, naquela ilusão de príncipe encantado do cavalo branco, mas isso é levado a exaustão quando as protagonistas parecem donzelas o tempo todo. Não, pior que isso, elas são tratadas como donzelas o tempo todo. Elas são capazes de se defender, mas preferem ter alguém olhando por elas e as envolvendo numa bolha de segurança muitas vezes insuficiente, pois é daí que vem os plots com que a autora trabalha. O cara só se sente bem consigo quando têm a ideia de estar salvando a garota. O herói da história quer honrar o título a todo custo e proteger a personagem de mosquitos, se esse for o perigo. Isso, por sua vez, leva a outro problema grandioso – e demasiadamente irritante – que é a possessividade.

            Essa não é a primeira vez que falo disso. Protagonistas masculinos, principalmente de new adult, tem aquela mania insuportável de bancar o homem das cavernas. Tem aquela garota e ela é sua garota (pausa para o cara bater no peito – expressão, inclusive, usada por Glines em um de seus livros). Essa moça não pode ser olhada por outros caras, não pode mostrar as pernas, e precisa afirmar O TEMPO TODO que é sua propriedade. Se isso não é transformar pessoas em objetos, eu juro que não sei mais nada. Parece romântico, mas não é. Definitivamente não é. É opressivo e sufocante e, na vida real, muitas histórias parecidas com essas terminam em casos de abuso. Parece romântico agora?

           Porém, a gota d’água com Simples Perfeição, foi justamente na parte mais debatida do machismo: a igualdade profissional. Se existe alguém que ainda acha a função social da mulher é cuidar de uma família e só, por favor, descubra uma máquina do tempo e volte para o século que nunca deveria ter saído. Isso é absurdo e grosseiro. Mas está lá, como um núcleo do enredo que a autora faz parecer muito natural. Eu devo parabenizar a protagonista por querer trabalhar ao invés de ficar com as pernas jogadas no sofá o dia todo? Porque, no meio de tudo, isso parece uma grande coisa. O problema mora no namorado, que não quer vê-la trabalhando, e só aceita isso – muito contra a vontade, aliás – quando a contrata como assistente, para poder mantê-la por perto e com olho em cima. Claro que Glines faz parecer uma atitude protetora por parte do rapaz, por causa do passado traumático da protagonista, mas a autora não lembra que pessoas com problemas psicológicos muito piores que os de Della trabalham normalmente, em qualquer função designada. Della trabalhava normalmente até começar a namorar Woods. Por que, justamente agora, é tão terrível que ela encontre uma ocupação?

            Tudo isso culmina na brilhante frase, dita por Della, que, em síntese, dizia: “eu preciso estar disponível para quando ele precisar de mim.”. QUERIDA, VOCÊ É O QUE? UM CELULAR? UM SINAL DE WIFI? Della é uma garota desse século que, segura essa bomba, tem as próprias necessidades. Não importa o quanto ela ama e é amada, deixar de seguir com a própria vida para servir como âncora para um cara é ir contra o que tantas e tantas mulheres lutaram ao queimar sutiã em praça pública.

            Por fim, se torna um conjunto de erros muitos fortes para livros focados para um público feminino e jovem. Por trás de todas aquelas paixões fulminantes, existem mensagens muito negativas sobre o papel da mulher na sociedade. Algo tão debatido, algo tão em voga, tratado de uma maneira muito, muito errada. Della, Blaire, qualquer outra personagem – seja de Abbi Glines, seja de qualquer outro livro –, não deveria abrir mão dos seus anseios em prol de um relacionamento que não é nem saudável. Nenhuma mulher deveria. Todas as pessoas no mundo tem o direito de trabalhar como e quando quiserem, ter a posse do próprio corpo e se relacionar com quem quiser sem ter medo da sombra do namorado que não aceita nem uma conversa amigável com um colega de trabalho.


           E, por favor, nem quero falar sobre beijos possessivos como demonstração de poder na frente de estranhos. De novo: que ano é hoje?

Comentários

  1. Vamos lá, li Simples Perfeição há poucos dias e confesso que achei o livro muito melhor do que o primeiro, em Estranha Perfeição todas essas questões abordadas aqui estão mais presentes. Gostei deste livro pelo fato de ele deixar um pouco de lado o drama, senti que Della cresceu e apesar dos seus objetivos iniciais não condizem com a sensação de liberdade que senti quando ela e Woods se separaram, ainda assim achei que esse afastamento de ambos foi bom. Justamente pq é aí que esse machismo todo fica um pouco de lado. Mesmo que ainda esteja presente. Senti que ela pode respirar e eu junto com ela. Nesta questão de possessividade achei o Rush muito pior que o Woods, me cansei de suas atitudes e da forma como Blaire achava isso tão normal. Personagens que demonstram ser fortes e no fim não são nada mais do que cachorras abanando o rabo por carinho já não me servem mais rsrsrs

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  2. Okay, é assim que me sinto lendo esses livros! Você disse algo que eu já pensava em discutir e agradeço por você ter feito tão bem. Tenho notado essa característica na maioria dos na que leio, claro há exceções. Infelizmente, é como se uma mulher precisasse mesmo dessa possessividade para ser feliz e completa. Como se um cara (vide 50 tons) tivesse que comprar o mundo em que você vive para tê-la satisfeita ao seu lado, isso sem falar das horas picantes, cheias de um palavreado que, convenhamos, não é tão sexy assim. Leio os livros da Abbi por uma razão: facilidade. São rápidos e ótimos para uma distração. Agüentei a Blaire e o Rush, esperando pelo momento do Woods, que até me agradou no início, mas me decepcionou quando ele entrou no modo "homem das cavernas", o que só piorou em Simples Perfeição... Enfim, ótima análise. Não é coisa de feminista, é algo bizarro e eu espero que ninguém aprenda com isso. :)

    ssentrelivros.blogspot.com.br

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  3. Estou digitando com os pés porque estou usando as mãos para aplaudir! Eu comecei a ler um livro da Abbi, mas nem a história e nem a escrita me cativou, então acabei desistindo. Porém, como você, os meus gêneros favoritos são YA e NA e nunca tinha pensado efetivamente nisso, mesmo que várias atitudes, como as que você listou, me incomodassem na leitura de alguns livros. Então, desde que a Emma Watson fez um discurso pra campanha He For She e perguntou se os autores já haviam se desafiado a sair da zona de conforto e representar a mulher de maneira diferente em uma história e eu me peguei cada vez mais pensando no ponto que seu texto bate! Então parabéns pelo ótimo texto, Joana! Quanto mais olharmos com um olhar crítico para aquilo que lemos mais podemos tentar fazer os autores mudarem (para melhor)
    Debora.
    Beijooos :D
    http://vanille-vie.blogspot.com.br/

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  4. Uau, que coisa mais maravilhosa esse texto! Parabéns!
    Nossa, eu fico realmente muito frustrada quando leio algum livro jovem adulto e, principalmente, que é destinado a mulheres onde os homens que dominam tudo. Essa possessão que eles têm com as "namoradas" e as autoras fazendo soar como um romance é muito horrível. E eu fico extremamente irritada. Dá vontade de jogar o livro na parede ou então dar uns conselhos para a personagem!
    Da Glines eu só li Estranha Perfeição (eu acho) que foi tão insignificante que nem me lembro da história, se eu quiser terei que olhar no Skoob...
    Um dos motivos por eu gostar ou desgostar de um livro é a personagem feminina. Não interessa, como você disse, se ela quiser ficar em casa sentada no sofá vendo série SE ISSO FOR IDEIA DELA. Agora quando a ideia é do namorado, putz, dói os olhos ao ler. Ô tristeza!
    Enfim... há diversos livros com esse problema mesmo e isso é irritante. Espero que cada vez mais as mulheres percebam esses erros machistas em livros e comecem a procurar por uma leitura onde as personagens femininas são inspiradoras e respeitadas e amadas do jeitinho que são!
    Adorei esse tipo de texto/resenha. Faça sempre <3

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  5. Mulher, você não merece Palmas, merece o Tocantins inteiro!

    Ainda não li nada da Glines, porque vi tantos comentários sobre os livros, a maioria deles negativos, que a vontade diminuiu e já tive minha cota de NA's "ruins". O primeiro do gênero que li foi Belo Desastre. E o Travis tem toda a pose de machão e possessividade, mas o que eu gostei foi que a Abby não aceita tudo calada, até porque não tem necessidade disso.
    Odeio personagens que são pacíficas demais e ficam nisso de macaquinho mandou, por isso acho que não me daria bem com esses livros.
    Gostei muito do seu ponto de vista, você arrasou e mostrou um problema que é cada vez mais recorrente em alguns livros.
    Beijos!
    Ananda =)

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  6. Parabéns pelo texto. Li Paixão, Tentação e Estranha. O primeiro livro, eu até gostei e relevei algumas coisas. Mas do segundo pra frente não deu pra engolir essas histórias mais. Falei de tudo o que não me agradou, muitas das coisas que você citou. É insuportável ler a forma que Abbi dá aos caras para demonstrar paixão pelas mulheres de sua história. Odeio personagens possessivos, você não faz ideia.

    Acho Abbi bem fraca como autora de NA, também.

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  7. Olá Joana,
    Embora goste dos livros da Abbi, eu concordo muito com a sua opinião.
    A autora está sempre tentando vitimizar suas personagens, como se por terem passado por algum problema foi o suficiente para torná-las fracas, ao invés de fortalecerem-nas.
    Assim como você, sou apaixonada por New Adult, e a cada livro da Abbi ficava mais irritada com as atitudes das personagens, com a falta de coragem.
    Adorei a sua discussão.
    Beijos,
    Yasmin
    http://lerimaginar.com.br/

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  8. Alo Aloooo Graças a deus que alguém compartilha da mesma opinião que eu! <3

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  9. Acredito que depois do teu texto não me sobrou muita coisa para dizer, até porque não li nenhum dos livros da autora, simplesmente por já achar a sinopse um tanto ofensiva, como boa (e desconfiada) feminista. Esse negócio de possessividade é realmente um problema, e muitas vezes, na literatura principalmente, acaba sendo confundido com proteção e passa despercebido, como acredito que seja no caso desses livros. Acontece que possessividade passa muito longe de proteção. Aliás, é quase o contrário disso. Quando tu faz de uma pessoa uma posse tua é quase como se tu maltratasse ela, e decretasse que ela só servirá a ti e mais ninguém, e sério, gente, estamos no século XXI e ainda tem gente que não se ligou que a escravidão acabou (graças a deus). Possessividade, como o próprio nome já diz, é ser dono de outra pessoa, e ninguém tem esse direito. Todo esse negócio fofo de pertencer a outra pessoa, como um objeto, pode parecer muito lindo e romântico no início, mas essas sensações acabam quando o 'objeto', vulgo pessoa, começa a sentir-se sufocada e incapaz de ter autoridade para tomar suas próprias decisões. Não há coisa pior do que um prisioneiro por vontade própria. E é exatamente assim que essas pessoas se sentem.

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  10. Glines tem o dom de fantasiar muito e nos fazer achar "fofinho" essa super proteção. esses dias estava comentando com uma amiga minha sobre achar ela machista demais. no livro tudo é fofo e tal, mas garanto que nenhuma mulher iria querer, na vida real, um homem assim do lado.
    li somente dois livros da autora. o primeiro achei bonitinho toda aquela possessão e tal, mas depois, no segundo, já comecei achar exagerado demais...

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  11. Oi Joana, achei muito boa sua crítica sobre Simples Perfeição. Você foi bem incisiva e contundente. Também acho isso de Abbi Glines. E ela é muito repetitiva. O primeiro livro dela que li também foi Paixão sem limites e adorei mas, o último que li, Amor sem limites, já estava cansado do seu "mesmismo". É um padrão. Parabéns!
    Sou Alberto do blog Verdades de um Ser. Aguardo uma visitinha sua por lá OK? Abraços.
    http://verdadesdeumser.com.br

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